AMENAZA ROBOTO | Da seca à inundação: Montevideo
Mudanças climáticas, mobilidade e desigualdade

A vida das trabalhadoras domésticas de Montevidéu pode ser afetada pelo impacto das mudanças climáticas e da variabilidade climática. Está em riscom um fator fundamental para alcançar níveis mínimos de bem-estar e reduzir a vulnerabilidade: a mobilidade.

Esta investigação foi apoiada pelo Pulitzer Center.

Por: Miguel Ángel Dobrich e Gabriel Farías.
Dados geoespaciais: Natalie Aubet e Nahuel Lamas.
Edição: Victoria Melián. Tradução: Diogo Rodriguez.
Fotos: Matilde Campodónico. Design: Antar Kuri.
Visualização de dados: Fernando Becerra.

6 de setembro de 2023
Quando chove em Montevidéu, algumas pessoas saem para trabalhar como de costume, enquanto outras precisam mudar suas rotinas para fazer o que sempre fazem. O local de residência é uma característica sociodemográfica que determina diferenças na atividade diária dos habitantes. A infraestrutura de transporte e a mobilidade afetam diretamente o mundo do trabalho doméstico remunerado, que representa 10,2% das mulheres empregadas, de acordo com dados do Banco de Previsão Social (BPS). Cerca de 99% das pessoas que realizam esse trabalho são mulheres. O meio de transporte predominante para as empregadas domésticas de Montevidéu é o ônibus: diante de cenários de chuvas intensas e inundações, não é a mesma coisa viajar a partir do oeste, centro, sul ou nordeste da capital do Uruguai.
Diego Hernández, doutor em Estudos Urbanos e professor titular do Departamento de Ciências Sociais da UCU, afirma que, em termos de mobilidade, a desigualdade pode ser definida, em primeiro nível, por "quantas etapas você precisa fazer, quanto tempo leva para viajarr". Ele acrescenta indicadores mais complexos: em que condições - por exemplo, em relação a gênero e assédio - ocorre o deslocamento, ou o que gera obstáculos no deslocamento, como o estado das calçadas e a insegurança.
Transporte público de Montevidéu.
O Sistema de Transporte Metropolitano oferece a opção de combinar linhas - inclusive entre ônibus urbanos e suburbanos - para completar a rota necessária, pagando apenas uma passagem. Por causa disso e pelas características próprias de Montevidéu, "o problema não é se alguém pode chegar ao ponto onde deseja, mas em que condições isso acontece", observa Cecilia Rossel, socióloga e professora titular do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Católica. "A questão é como essas condições negativas se acumulam com outras condições de vulnerabilidade e as consequências que isso traz. Parece que está tudo bem quando na realidade o sistema é relativamente precário em certos setores sociais. Por enquanto, funciona, mas diante de qualquer situação [adversa], ele se desmantela".
Para realizar essa análise, foi feito um geoprocessamento cruzando, por meio do uso de Sistemas de Informação Geográfica, a base de dados do Censo de População de 2011 do Instituto Nacional de Estatística (INE), a base de dados das linhas de transporte urbano da Intendência de Montevidéu e a linha de inundação publicada pelo Ministério do Meio Ambiente, modelada para o cenário climático mais extremo (E10, TR500).
Tilda Publishing
"As condições de trabalho das empregadas domésticas são muito precárias", afirma Cecilia Rossel, socióloga e professora titular do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Católica. "Devido às características de vulnerabilidade das empregadas domésticas e às condições e exigências do trabalho doméstico, no qual você não pode chegar atrasado, qualquer evento pode fazer as coisas darem errado", explica Rossel.

A socióloga Laura Marrero, consultora do PNUD referente a gênero na Direção Nacional de Mudanças Climáticas, falou em A cidade submersa sobre os aspectos que definem a vulnerabilidade: "Não é a mesma coisa quandouma inundação atinge uma casa precária, construída com material descartado, que possivelmente destruirá a habitação, do que quando atingeum prédio na rambla de Pocitos ou uma casa em boas condições em Carrasco".

O mesmo ocorre com a mobilidade. "Muitas vezes, as moradias não são afetadas, mas as pessoas ficam impossibilitadas de transitar em sua rotina diária. Se seu meio de transporte é a pé, de bicicleta ou de moto, você terá um impacto diferente se sua mobilidade depender de um veículo grande".

Diante das mudanças climáticas, da variabilidade climática e sem políticas públicas adequadas, as rotas de ônibus para ir trabalhar do oeste ao sul de Montevidéu serão afetadas em menos de 80 anos.
Moradias próximas ao Riacho Pantanoso, o segundo afluente mais importante da baía de Montevidéu, depois do Riacho Miguelete.
Desviar as rotas de ônibus devido a áreas inundadas aumentará o tempo de viagem ou forçará as trabalhadoras a fazerem mais conexões para chegar ao trabalho a tempo. No entanto, como concordam os pesquisadores Rossel e Hernández, é preciso pensar no problema além do ambiente de trabalho, já que qualquer tipo de viagem é relevante.

A acessibilidade territorial afeta a qualidade de vida dos residentes de Montevidéu. Se as inundações projetadas reconfigurarem as rotas das linhas de ônibus da capital, isso afetará a dificuldade de acesso a serviços básicos. Se o tempo de viagem de ida e volta de uma empregada doméstica se complicar e aumentar, quem cuidará dos filhos das trabalhadoras, quem cuidará dos idosos que moram com elas, quanto isso afetará a saúde da família e os próprios exames médicos delas?

Como afirma o pesquisador Diego Hernández: "O transporte em sinão resolve as fraturas sociais nem resolve a integração, mas pode ser muito relevante para definir em situações de vulnerabilidade se o indivíduo cai ou não cai".
Do ponto A ao ponto B
Devido às suas rotas, as linhas 76, 17 e 185 são fundamentais para que trabalhadores de diferentes pontos possam acessar serviços e oportunidades de trabalho no sul da cidade. Essas linhas atravessam muitos bairros de Montevidéu.

Entre os vários setores que usam essas linhas, destaca-se o das empregadas domésticas.

A linha 76 é administrada pela COETC, Cooperativa de Trabalhadores e Empregados do Transporte Coletivo, e vai da Playa del Cerro a Punta Carretas. A linha 17 liga os bairros de Casabó a Punta Carretas e é operada pela UCOT, Cooperativa de Trabalhadores do Transporte. Por fim, a linha 185 vai de Casabó a Pocitos.

Do Nordeste, as linhas-chave para acessar o sul e sudeste de Montevidéu são a 405, a 300 e a 316. As linhas locais que levam à Baldeação Belloni (L41, L46, L9 e L36).

A linha 405 da COETC vai do bairro Peñarol ao Parque Rodó. Devido a incidentes de insegurança e violência, que podem ocorrer de tempos em tempos em bairros próximos a Casavalle, essa linha pode encurtar seu percurso em pontos próximos a esses bairros. A linha 316 liga os bairros Pocitos e Villa Biarritz a Villa Don Bosco. Desde 2022, seu percurso é estendido até a Faculdade de Veterinária. A linha 300 liga o Cemitério Central à interseção das avenidas Instrucciones e Belloni, indo para Instrucciones e voltando para o Cemitério Central. Esse ônibus da UCOT passa por Barrio Sur, Palermo, Parque Rodó, Cordón, Tres Cruces, Parque Batlle, La Blanqueada, La Unión, Curva de Maroñas, Jardines del Hipódromo, Piedras Blancas, Manga e Puntas de Manga.
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